Poem A Day – Os estilhaços


Ninguém pode ouvir a minha mente barulhenta. Ainda bem, pensei em voz alta. Alguém perguntou o que eu disse, expliquei que fazia parte de uma conversa interna. Acho que todo mundo sabe que não se pergunta mais nada quando alguém diz isso. Era aparentemente um dia como outro qualquer, mas tinha um ar denso, difícil de respirar. Por mais perguntas que eu me fizesse, não conseguia encontrar uma resposta. Não conseguia entender por que eu sentia tanta raiva.
Me lembrei das expectativas que as pessoas têm em mim e que eu não quero corresponder. Queria poder dizer com todas as letras que eu não ligo e que é melhor começarem a se acostumar com o desapontamento. Mas meu querer fica sempre guardado. Escorre junto das lágrimas de frustração que eu não consigo conter em algumas tardes de domingo. Talvez eu assustasse ainda mais as pessoas se as deixasse saber o quanto penso em coisas que ninguém fala muito.
Às vezes parece que eu acumulo raiva e a sinto toda de uma vez. Tipo bola de neve. E eu fico com vontade de quebrar meu quarto inteiro, gritar com todo mundo, me isolar de tudo e ser louca sozinha. Os barulhos das pessoas me irritam, a porta trancada me conforta, contato me deixa impaciente, ter que ser coerente e coordenada me entristece de um jeito que nem sei dizer.
O “ter que” me tortura, me adoece, me deprime. Então, eu me fecho tentando controlar o impulso e a respiração. Ainda bem que ninguém pode ouvir, porque certamente tentariam conter o barulho, a raiva, o descontrole e os estilhaços imaginários de coisas que eu não quebrei. Mas gostaria.

• • •
Follow Me:
YouTube | Instagram | Spotify

Deixe seu comentário

Poem A Day – O lá menor


Eu espero que não dê tempo de você perceber. É que eu andei vagando a tarde inteira buscando uma palavra que pudesse expressar. Atrasei o café, não ouvi a buzina do padeiro… A rotina me cansa, a programação porca da TV nem sempre dá conta do meu tédio e, especialmente hoje, não surgiu nada novo pra ocupar o vazio, pra preencher os ouvidos e aquecer o coração.
Olha, já faz muito tempo. Eu nem sei que tipo de desculpa seria aceitável, mas eu não quero inventar uma. Já faz muito tempo que ando fazendo de conta, que vivo da boca pra fora com medo do que vão dizer. Quer dizer, será que isso é mesmo viver? Será que eu poderia encontrar algum tipo de conforto no que não estou dizendo, e transformar esse silêncio num silenciador de opiniões que eu não peço?
Daqui a pouco vai ser tarde outra vez e vou ter que esperar o amanhã. Vendo as luzes piscarem na parede, contando o número de vezes que consigo respirar fundo em quinze minutos. Vou sentir frio na barriga por causa da sensação de que alguma coisa faltou e que amanhã eu vou ter outra chance. Vou pegar meu violão surrado e cansado, como o meu coração, e ensaiar minha dor baixinho. Em lá menor…

• • •
Follow Me:
YouTube | Instagram | Spotify

Deixe seu comentário

Poem A Day – O silêncio


Ficou após você. Após o ruído da louça contra a parede. E os vasos de planta no chão. Ninguém se feriu com os cacos (ainda bem), mas as palavras deixaram feridas abertas. Tudo o que não foi dito antes, saiu num curto espaço de tempo. Fazendo eco, vibrando as janelas e paredes da casa. Fazendo a vizinhança parar por um momento pra se assustar com a gente.
Era um fim de tarde, fim de paciência, fim da resistência, fim de nós. A natureza cumpria seu papel. Nós nos desfazíamos em oitavas prolongadas. Fazíamos o barulho das nossas almas ruidosas preencher todos os cômodos. E eu ainda não sei como dois seres serenos de repente foram capazes de tamanha confusão. Tudo ficou escuro assim como o céu lá fora naquele dia.
E agora, sem ter pra onde correr, sem louça pra quebrar, sem ter com quem gritar, sobraram os cacos. Depois das malas com as suas roupas, depois de bater a porta do táxi, depois de ir embora, você não viu o que ficou. Ficou o burburinho dos vizinhos, ficou a luz acesa refletindo no vidro quebrado no chão. Ficou o silêncio da sua ausência pelos cantos me fazendo tentar entender o que aconteceu.

• • •
Follow Me:
YouTube | Instagram | Spotify

Deixe seu comentário