Poem A Day – A menina Marina

Photo by Todd Diemer on Unsplash

Já era tarde e estava chovendo. Marina com seus olhos alagados, tinha o olhar perdido na direção da janela. Tinha vida escapando na sua expiração, tinha dor saindo pelos poros. E ela sentiu falta de ser uma criança e brincar na poça d’água quando chovia. Sentiu falta de brincar de rodar com a boca aberta e a língua de fora em dias de chuva, e não ver mal algum nisso porque não existia mal algum pra ver.
Fazia mais de três noites que o travesseiro não segurava o peso do seu descontentamento. Seus braços ao redor de seus joelhos apertados contra o peito. Sua boca seca de palavras que ela não conseguia verbalizar. Seus olhos molhados de lágrimas que não rolavam. Marina teve medo de nunca sentir direito e morrer afogada em sua tristeza.
Em nenhum outro momento da vida ela havia se sentido assim. E ela sempre teve medo de sentir, porque isso significava doer. E ela sempre escondeu suas lágrimas, porque acreditava que isso era fraqueza. E lembrou de seu avô dizendo “a menina Marina não chora”. Por um momento ela quis ser aquela garotinha orgulhosa outra vez. Mas percebeu que passou a vida se escondendo do inevitável.
Contemplou a si mesma no reflexo da janela. Percebeu que nada no mundo poderia prepará-la pra tamanha perda. Ela entendeu que não se escreve uma vida observando chover, mas se banhando em cada gota. Abrindo os braços, pisando na poça e pondo a língua de fora pra sentir o gosto da chuva.
Marina, o peso do mundo não tem peso pra te impedir de ser menina.
Vá brincar na chuva! ♡

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Poem A Day – A biografia


Eu vi o cursor piscando na tela e percebi meus olhos piscarem sincronizados. Foi tanta coisa ao mesmo tempo, tanta coisa isolada, tanta coisa que é difícil lembrar dos detalhes. Mesmo estando há horas tentando explicar o óbvio, nunca é tão fácil quanto a gente imagina. E eu só posso dizer que a gente é o resultado das nossas escolhas e de escolhas alheias com as quais precisamos conviver. Escolhas que precisamos respeitar.
Eu sempre falo de mim no “coletivo”. Eu sempre digo a gente no lugar de eu. Isso me dá a sensação de que eu não estou sozinha e que, por mais besta que tenha sido o meu erro, alguém em algum lugar já passou pela mesma coisa e eu posso tentar ser humana de novo. Já posso parar de dramatizar o tempo todo e de supervalorizar bobagens diárias.
Preciso deixar muitas coisas de fora. Meu tempo é curto demais pra relembrar, pra reviver e pra tentar entender. Eu vou sentir saudades de você por um tempo, mas se você ficar eu sentirei saudades da falta. Aprendi que dores passam, que o tempo é um ótimo amigo e que o tédio ensina a gente a se curtir. Ficar sozinho é péssimo quando o mundo te vira as costas, mas estar sozinho por escolha é libertador.
Caminho pelo chão terroso, canto em voz alta a minha própria trilha sonora. Busco corujas pousadas em muros. Tenho medo do escuro, de altura e de não ter uma boa biografia no fim dessa aventura. Mas saber que a vida não espera, que portas se abrem e se fecham, perceber que muita gente veio e foi embora e que, mesmo vendo todas essas coisas de perto, eu pude levantar e continuar meu caminho faz valer a estrada toda. Mesmo com pés cansados e calejados, ainda há muito o que andar.
E há muito o que escrever também. ♡

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Escondido

Photo by Anshu A on Unsplash

Vou guardar meu amor num frasquinho. Conservar o pouquinho que sobrou. Esconder no fundo de alguma gaveta bagunçada pra nem eu mesma achar. E no dia que eu me deparar com tal recipiente, então eu vou saber. Vou saber que é você, e que vale o desgaste, o risco, a coragem meio camicaze. Vou tirar o amor do frasco, permitir que ele cresça, preencha os espaços, ocupe os cômodos que estão vazios e empoeirados.
Tudo o que escuto agora é eco. A minha própria voz reverberando nas paredes e lugares desocupados da casa. Tudo o que eu entendo é que não posso entender tudo. Não importa o quanto eu me esforce, eu sempre vou deixar algum detalhe passar. Alguns detalhes não são matematicamente discernidos. E que bom. Sou horrível em matemática. Mas pro que a gente sente não tem cálculo, não tem fórmula, não tem professor. E é por isso que eu vou colocar meu amor num frasquinho. Porque eu não sei o que fazer com ele agora.
Vou deixar lá. No canto. Junto com os clips perdidos e alfinetes que eu nunca lembro onde guardei. Junto com as notas fiscais de produtos que já parei de usar. Junto com algum pedaço de durex usado e embolado. Tudo junto naquela gaveta do lado da cama em que eu só entulho as coisas e nunca me dou tempo de arrumar. Junto com alguma carta que eu escrevi pra mim mesma, pra lembrar de viver, de sentir e de não ter medo. A qual nunca leio. Junto com arame de enrolar saco de pão e post its sem cola. Junto de metades de remédios, cartelas vazias e tarrachas de brincos perdidas. Junto do bom senso, fitas coloridas e panfletos de academia.
Um frasquinho de amor perdido no meio disso tudo. Um frasquinho de amor no meio do caos, da bagunça da vida e da rotina. Um frasquinho de amor escondido, esperando ser encontrado na hora certa. Pra valer o tempo, pra pegar de surpresa no meio de uma tarde de tédio e de reciclagem. Pra encher os olhos d’água, o coração de esperança e o estômago de borboletas. Pra ouvir música com emoção e chorar vendo o filme reprisado da Sessão da Tarde.
Pra você é só um frasquinho de amor. Pra mim é um frasquinho de amor escondido, de alguém que se esconde do amor pra fazer de conta que não precisa dele.
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