As coisas vão te afetar de todo o jeito

Era uma tarde quente de verão e eu sei o quanto este começo soa básico, mas realmente era uma tarde quente de verão. A casa estava iluminada pela luz natural que entrava pelas janelas e o vento (artificial) balançava as cortinas enquanto o som da TV, em algum programa aleatório, criava uma trilha sonora destoante do que eu estava sentindo.

Eu nunca realmente tentei colocar em palavras porque achei bonito demais e quis guardar em algum lugar dentro de mim — e só para mim. Mas me peguei lembrando daquele dia e do que eu senti e decidi que já era hora de deixar de silenciar a minha voz numa tentativa inútil de me proteger de viver.

O que eu senti naquele dia foi justamente o oposto de me proteger de viver. Aquilo foi entender que não tem como escapar da vida estando aqui. Ela vai acontecer de qualquer maneira. As coisas vão te afetar de todo o jeito. E a você cabe apenas a decisão de tentar, em vão, se proteger de tudo ou ir em busca de coisas pelas quais você pode se machucar, mas que valerão a pena.

Então, naquela tarde quente de verão, em que a casa estava iluminada e as cortinas dançavam ao som da vinheta de um programa aleatório de fofoca (provavelmente não era isso, mas quem se importa?), você trocava a letra de uma música superconhecida para fazer piada de alguma mania minha que você tinha acabado de aprender, enquanto eu via tudo quase em câmera lenta.

Respirei fundo tentando dar conta da compreensão que tinha acabado de me atingir. Em cheio. Senti saudades daquele exato momento enquanto ele ainda acontecia. Olhei para nós como quem percebe de fora e quis, de alguma maneira, eternizar o momento — fotografar, tatuar, escrever uma música. Mas só consegui olhar para tudo com o máximo de atenção que eu pudesse porque não queria me distrair.

Pensei em tudo o que ainda está por vir e percebi que a gente nunca mais seria as mesmas duas pessoas daquela tarde. Pensei na vida que muda, na efemeridade das coisas, na ilusão de que a gente tem todo o tempo do mundo e fiquei triste por um pequeno segundo pensando que eu queria poder segurar aquele momento, impedir o tempo de passar e viver ali para sempre.

Quase imediatamente a minha tristeza foi interrompida pela leveza da sua presença sempre tão iluminada e alegre. E fui, mais uma vez, inundada por diversas impressões ao mesmo tempo. Sim, aquele momento não duraria para sempre. Nós mudaríamos, a vida mudaria, o tempo passaria e nada nunca mais seria daquela forma outra vez. Mas te ver cantarolando um refrão famoso e parodiado me fez abraçar a brevidade do momento e me emocionar com a possibilidade de viver tudo o que fica, vai e volta com você.

O medo de nunca mais sermos o que somos, naquele momento, se transformou em entusiasmo, em ânimo para conhecer todas as nossas futuras fases e versões. Eu senti uma gratidão profunda por poder sentir tantas coisas bonitas e assustadoras ao mesmo tempo. Eu compreendi que, o que quer que viesse de normal, entorpecido ou doloroso depois daquela tarde, valeria a pena.

Ter o meu coração partido pela vida depois daquele dia, para mim, significaria ter vivido o suficiente para chamar um mínimo pedaço da brevidade desta minha existência de “felizes para sempre”. E isto segue em mim desde então. 🖤

Você pode (e vai) mudar de ideia

Este é um daqueles textos com base em experiência pessoal direta. Eu estava assistindo a um vídeo e, por dentro, quase colocando em cheque uma criação em que eu tinha acabado de trabalhar. Quase recuei, mas depois pensei que no momento em que minha criação ocorreu aquilo era uma verdade para mim e, até aquele momento, ela continuava sendo. O que me assustou foi a possibilidade de mudar de ideia a partir do momento em que aquela criação fosse publicada.

E aí, eu pergunto: e qual seria o problema nisso?

Acho que acostumamos com a ideia de que é errado mudar ou que mudanças são menos importantes ou falsas porque em algum ponto da nossa história nós pensamos de outro jeito. E isso é uma coisa paralisante, assustadora e de uma ignorância bizarra. Porque a gente está aqui para evoluir mesmo. Se fosse para ficar presa nas mesmas ideias de sempre, qual seria o sentido?

Eu entendo que algumas pessoas se sintam particularmente ameaçadas por aquelas que se colocam no caminho da mudança, porque elas desafiam a ideia de que você pode guardar alguém em um potinho rotulado e catalogado. A ideia de que você sabe exatamente com quem está lidando é mais suportável do que entender que toda pessoa é um universo inteiro e complexo (você não conhece nem todas as nuances possíveis de você, que dirá dos outros).

Mudar de ideia não precisa ser um bicho de sete cabeças e nem condição obrigatória antes de dar vida às nossas ideias do jeito que elas estão, porque muitas das nossas mudanças só são possíveis a partir do movimento e do atrito com a vida. Nossas percepções, ideias e opiniões precisam da experiência e da exposição ao mundo lá fora para serem forjadas. Então, é normal que no teste de fogo algumas estruturas realmente se modifiquem.

A minha natureza sempre foi ir em busca da próxima coisa. Me abrir à lapidação e descartar conceitos que não me serviam mais. Acredito que é um gesto de coragem mudar quando tudo permanece igual, mas também permanecer igual quando tudo muda. E entender esses movimentos vem do que eu sempre falo: autoconhecimento. O que faz sentido manter? O que já passou da hora de ir?

Para o bem do que eu chamo aqui de evolução, você pode (e vai) mudar de ideia. E as outras pessoas também – algumas para melhor e outras para pior. Não tem nada de falso, de errado ou de incomum em mudar de ideia. Em muitos casos é até recomendável. E, se você está aí esperando o “tempo certo” de mostrar as suas criações, numa tentativa de cobrir todas as possíveis falhas e ter uma perspectiva irretocável, pare. Nosso amadurecimento vem com a vivência e não do excesso de autoproteção.

Exponha-se à vida. É assim que a gente evolui. 🖤

E se for só acreditar?

A gente ouve e diz muito que “não é só acreditar” que tudo vai acontecer magicamente na sua vida, partindo de um pressuposto de que acreditar é um verbo que induz à passividade. Mas e se o que estiver errado for a nossa ideia de acreditar e não a ideia de que não basta só acreditar?

Eu não sei você, mas todas as vezes em que eu acreditei numa ideia, em alguma capacidade minha ou em algum fato dado, eu agi de forma muito mais segura e determinada e as coisas aconteceram de forma muito mais natural.

Talvez você pense que acreditar em algo envolva necessariamente algo místico e não comprovado pela ciência. E eu não tô aqui pra desacreditar a ciência (pelo amor da deusa, inclusive), mas também não tô aqui pra ignorar o sutil e inefável porque simplesmente sei (ou acredito – e, na prática, isso faz pouca diferença) que isso afeta a mim e a várias pessoas cotidianamente.

Começa pelo que você pensa a respeito de si, das pessoas, do mundo lá fora. Começa pelo que você sente, como se permite ou não se sentir, como isso escapa de você e como você absorve o que vem de fora. As coisas que vêm de fora e as coisas que estão dentro se confundem, viram limites, crenças, pautam suas palavras, suas ações e, provavelmente, seus resultados.

Eu tento tomar cuidado com esse tipo de discurso pra não liberar a sociedade da responsabilidade que ela tem, mas também não jogar só na sociedade a responsabilidade individual que a gente tem de fazer a nossa parte – porque integramos a sociedade (o um é todos e todos são um). Sua vida ainda é sua responsabilidade, ainda que exista um sistema lá fora teoricamente responsável pelo bem estar geral.

Entender o seu papel na sua própria vida e a sua responsabilidade com você mesma, pra mim, é como a esperança no fundo da caixa de Pandora – não resolve todos os males do mundo, mas te dá motivos pra levantar da cama todos os dias, acreditar e fazer o que te cabe.

Não é uma esperança vazia ou acreditar em algo fantasioso. É se comprometer com seus sonhos, com seus desejos, com seus projetos e visões com a certeza de que nada é feito em vão. Com a mesma convicção com que você vai dormir à noite sabendo (ainda que não seja possível) que você vai acordar pela manhã. É dessa confiança que eu estou falando. A mesma confiança de colocar um pé na frente do outro acreditando (e, portanto, sabendo – mesmo sem ter como ter certeza) de que isso é caminhar e que você não vai cair à toa.

Acreditar, ter certezas, saber… A gente se escora tanto em “verdades” que são frágeis e podem mudar a qualquer momento e transforma em dúvida, incerteza e névoa tudo o que poderia tornar melhor este meio tempo chamado vida. Não tenha medo de acreditar no que é melhor pra você. Ou tenha, mas não permita que isso te paralise. E, acima de tudo, não precisa levar a ferro e fogo tudo o que eu disse aqui. Mas, caso se lembre e precise em algum momento, leve de brinde a pergunta: e se for só acreditar?