Coisas que a gente nunca vai saber (ainda bem)


Você nem sabe as coisas boas que eu tinha planejado pra gente fazer. As piadas das quais a gente ia dar risada. As músicas que iam embalar nossas tardes juntos. A infinidade de melodias e letras que a gente ia trocar. O tanto que eu ia te xingar por ser um trouxa, que eu não ia conseguir ficar longe, mas um trouxa. Você não sabe e nem se deu o trabalho de me deixar dizer. Ficou tudo meio perdido, meio borrado numa tarde fria, num lugar distante e desconhecido. E toda vez que eu dobro uma esquina distraída ainda me lembro de lá.
Apesar de não fazer mais sentido, nem falta, nem nada, as possibilidades vez ou outra acenam. Não como se fosse algo pelo qual eu ainda espero, mas uma curiosidade mórbida de tentar imaginar como teria sido. Se você não tivesse deixado cair na caixa postal. Se você não tivesse me evitado. Se eu tivesse me respeitado, te ignorado e entendido desde então que era o jogo do quem é mais insensível. Mas não.
E aí eu pude ver todas as suas nuances, as sombras, as partes feias e coisas com as quais jamais poderia conviver. Incomodou pra caramba por um tempo e depois me deu raiva, ranço, desprezo. Destruí as pontes pra não ter a menor chance de voltar atrás. Não voltei e nem quero. Mas quando me dá tédio eu olho naquela direção. Só pra inventar uma história. Só pra me dar o que pensar e distrair de olhar pro teto. Só pra me ver de um jeito que eu nem reconheço mais (ainda bem). Só pra ter certeza de que eu não desperdicei as coisas boas que eu tinha planejado com alguém que não merecia ter ficado. E me fez o favor de não ficar.

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Tudo passa, tudo muda


Foi vasculhando os fundos das gavetas, as caixas embaixo da cama, os cadernos velhos, os papéis amassados. Foi procurando pistas que eu a encontrei. Quem? Eu. Eu do passado. Eu com outras ideias do futuro, com outras aspirações, outras vontades. Com certezas que já morreram, com opiniões que amadureceram e com sonhos diferentes.
Talvez eu não tenha percebido o quanto sou sincera nas minhas anotações. Mas, quando a gente está no olho do furacão, fica meio difícil perceber as coisas com clareza. A vida é quase um álbum de figurinhas, que você precisa pagar um preço por pacotinhos que você não sabe o que têm dentro para tentar completar todas as páginas. É uma comparação meio besta, mas foi a que consegui pensar agora.
Meus pensamentos até hoje são interrompidos por parênteses chatos e muitas vezes engraçados que eu abro para falar de mim mesma. Eu olho para as antigas fotos e fico tentando imaginar o que aquela garota estava pensando quando fez aquela pose e o que ela estava sentindo naquela época. Ainda é tão cedo para olhar para quem eu fui, mas é sempre um caminho de autodescoberta fazê-lo.
Dentre todos os papéis amassados, cadernos velhos, fotos antigas, eu me encontrei. Encontrei a essência. Encontrei quem sempre fui e que fica mais ou menos legal, mais ou menos inteligente com o passar do tempo. E percebi que a gente não precisa ter vergonha de quem foi, desde que isso signifique que agora a gente se tornou alguém melhor. Tudo o que a gente sente passa, opiniões podem mudar, tudo à nossa volta pode mudar. Mas há de se manter a essência. A boa essência de quem somos.
Era uma vez uma menina com muitos sonhos. E ela não morreu nem nada. Apenas percebeu que algumas coisas mudam e que isso nem sempre significa uma boa coisa. Mas também não significa o fim do mundo. Ninguém pode permanecer para sempre no engano e mais cedo ou mais tarde as verdades aparecem. E a gente para de se confundir e de fazer drama por todos os lados.
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Fique com a saudade


Ela não era do tipo que se apagava e você devia saber. Ela era pássaro livre. Mas você ficou contente em abafar a chama, em vê-la aprisionada. Ela era do tipo que acreditava até perder todas as esperanças, mas você sabia que ela jamais voltaria atrás quando se desse conta que nunca houve verdade. Talvez por isso todos os cenários falsos, as falas programadas, o papel de herói foram seus aliados. Você sabia que ela jamais seria sua se pudesse te ver de verdade, porque ela era real demais pra caber nas suas mentiras.
Ela era pássaro com a asa machucada, acreditando que não poderia mais voar. Você ofereceu a mão e uma carona. E enquanto prendia a atenção dela com um mundo irreal, mantinha a ferida aberta, pra ter certeza de que ela não iria a lugar algum. Ela tentou voar pra longe várias vezes, mas suas armadilhas a atraíam de volta. Então, ela ficou. Se desiludiu, murchou e chorou vezes demais. Mais do que era necessário, mais do que era aceitável, mais do que era permitido alguém chorar.
Um dia, como por mágica, ela acordou não curada, mas bem o bastante pra bater as asas pra longe. Longe o bastante pra não te enxergar. Longe o bastante pra não sentir mais, não doer mais, não sofrer mais. E só assim ela conseguiu ver que não precisava do seu cativeiro, do seu alimento, do seu estranho afeto, do seu controle. Ela não precisava cantar pra você, se exibir pra você e nem te agradecer por nada. E ela estava, enfim, livre pra descansar e curar suas feridas.
Hoje ela voa, ela canta, ela existe e não se esconde. Hoje ela quer mais, ela sabe que pode, que não se apaga e que foi feita para voos altos. De você ninguém mais sabe. Um predador, um mau caráter, um alguém pra se manter distância, um alguém pra nunca mais se ouvir falar. Ela ficou com os olhos abertos, com ensinamentos e lições da vida que não vai mais esquecer. Ficou com cicatrizes, com lágrimas secas no rosto, mas sempre pronta a recomeçar. Ficou com a liberdade, com os sonhos, com o impulso de voo.
Você ficou com o mesmo. Ficou o mesmo. Ficou pra trás. Ficou com os restos. Ficou à espera de uma resposta pra uma pergunta inventada e sem resposta, mais uma armadilha criada por você. Ficou com o brinde, com o que não preenche, com o que não distrai, com o que não colore, com o que nunca vai ser. Pois fique. Mas fique longe, pois não sabe manter perto. Fique em paz, mas fique onde está. Fique com a lembrança do que poderia ter sido, mas não foi. Fique e entenda que ninguém fica porque você quer, mas porque é bom ficar. Fique com a saudade do que ela nunca foi de verdade quando estava com você.
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