Poem A Day – Uma releitura

Photo by Artem Bali on Unsplash

Abri o guarda-roupas com raiva e com pressa. Têm coisas que precisam de urgência, pois já passaram da validade. Encarei sem dizer nada aquele tanto de coisas e peças que de uma certa forma fizeram e fazem parte de mim. No entanto, era só uma das muitas etapas. Olha a vida acenando, o tempo sendo o apressado de sempre, o dia virando noite e eu não tendo oportunidades de dizer adeus, de dizer “me espera” ou de perder mais dez minutos deitada na cama.
De alguma maneira esquisita e esquecida (porque eu sempre faço questão de não pensar muito sobre isso e acabo esquecendo), é como se uma voz aqui dentro me dissesse pra não me preocupar além da conta. Porque, certas ou erradas, todas as coisas vão voltar pro lugar. E, por mais bagunçada que eu me sinta, sei que na vida tudo tem um tempo certo de acontecer, mesmo que tudo pareça acontecer fora do tempo. A gente tenta explicar e nunca consegue. Mesmo assim, todo mundo entende.
Então, o guarda-roupas. Aquele cheiro de roupa guardada há muito tempo… E aquelas peças que eu uso sempre emboladas na parte mais visível. Sim, eu sei. Foi necessário sentir raiva, pressa e um pouco de medo de nunca ser o que eu preciso. Foi necessário parar de pensar e fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Abrir um guarda-roupas negligenciado e com cheiro de roupa velha e perceber que quem precisa de uma releitura sou eu.

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Poem A Day – Os estilhaços


Ninguém pode ouvir a minha mente barulhenta. Ainda bem, pensei em voz alta. Alguém perguntou o que eu disse, expliquei que fazia parte de uma conversa interna. Acho que todo mundo sabe que não se pergunta mais nada quando alguém diz isso. Era aparentemente um dia como outro qualquer, mas tinha um ar denso, difícil de respirar. Por mais perguntas que eu me fizesse, não conseguia encontrar uma resposta. Não conseguia entender por que eu sentia tanta raiva.
Me lembrei das expectativas que as pessoas têm em mim e que eu não quero corresponder. Queria poder dizer com todas as letras que eu não ligo e que é melhor começarem a se acostumar com o desapontamento. Mas meu querer fica sempre guardado. Escorre junto das lágrimas de frustração que eu não consigo conter em algumas tardes de domingo. Talvez eu assustasse ainda mais as pessoas se as deixasse saber o quanto penso em coisas que ninguém fala muito.
Às vezes parece que eu acumulo raiva e a sinto toda de uma vez. Tipo bola de neve. E eu fico com vontade de quebrar meu quarto inteiro, gritar com todo mundo, me isolar de tudo e ser louca sozinha. Os barulhos das pessoas me irritam, a porta trancada me conforta, contato me deixa impaciente, ter que ser coerente e coordenada me entristece de um jeito que nem sei dizer.
O “ter que” me tortura, me adoece, me deprime. Então, eu me fecho tentando controlar o impulso e a respiração. Ainda bem que ninguém pode ouvir, porque certamente tentariam conter o barulho, a raiva, o descontrole e os estilhaços imaginários de coisas que eu não quebrei. Mas gostaria.

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Poem A Day – O lá menor


Eu espero que não dê tempo de você perceber. É que eu andei vagando a tarde inteira buscando uma palavra que pudesse expressar. Atrasei o café, não ouvi a buzina do padeiro… A rotina me cansa, a programação porca da TV nem sempre dá conta do meu tédio e, especialmente hoje, não surgiu nada novo pra ocupar o vazio, pra preencher os ouvidos e aquecer o coração.
Olha, já faz muito tempo. Eu nem sei que tipo de desculpa seria aceitável, mas eu não quero inventar uma. Já faz muito tempo que ando fazendo de conta, que vivo da boca pra fora com medo do que vão dizer. Quer dizer, será que isso é mesmo viver? Será que eu poderia encontrar algum tipo de conforto no que não estou dizendo, e transformar esse silêncio num silenciador de opiniões que eu não peço?
Daqui a pouco vai ser tarde outra vez e vou ter que esperar o amanhã. Vendo as luzes piscarem na parede, contando o número de vezes que consigo respirar fundo em quinze minutos. Vou sentir frio na barriga por causa da sensação de que alguma coisa faltou e que amanhã eu vou ter outra chance. Vou pegar meu violão surrado e cansado, como o meu coração, e ensaiar minha dor baixinho. Em lá menor…

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