Poem A Day – O silêncio


Ficou após você. Após o ruído da louça contra a parede. E os vasos de planta no chão. Ninguém se feriu com os cacos (ainda bem), mas as palavras deixaram feridas abertas. Tudo o que não foi dito antes, saiu num curto espaço de tempo. Fazendo eco, vibrando as janelas e paredes da casa. Fazendo a vizinhança parar por um momento pra se assustar com a gente.
Era um fim de tarde, fim de paciência, fim da resistência, fim de nós. A natureza cumpria seu papel. Nós nos desfazíamos em oitavas prolongadas. Fazíamos o barulho das nossas almas ruidosas preencher todos os cômodos. E eu ainda não sei como dois seres serenos de repente foram capazes de tamanha confusão. Tudo ficou escuro assim como o céu lá fora naquele dia.
E agora, sem ter pra onde correr, sem louça pra quebrar, sem ter com quem gritar, sobraram os cacos. Depois das malas com as suas roupas, depois de bater a porta do táxi, depois de ir embora, você não viu o que ficou. Ficou o burburinho dos vizinhos, ficou a luz acesa refletindo no vidro quebrado no chão. Ficou o silêncio da sua ausência pelos cantos me fazendo tentar entender o que aconteceu.

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Poem A Day – O labirinto

Photo by Burst on Unsplash

Entramos nessa juntos, de mãos dadas e pelo mesmo lado. Em algum momento a gente perdeu a comunicação e foi cada um pra um corredor. Desses que não dão em lugar algum e a gente é obrigado a voltar, depois de se perder muito de si mesmo.
A gente se esbarrou. Mas foi só isso mesmo. Acabamos batendo naquela parede e depois cada um seguiu de novo o seu caminho. Acho que não nos demos conta de que aquela era só uma das vezes que a gente se encontraria.
São muitas ruas estreitas, caminhos tortuosos e entradas sem saídas. A gente é obrigado a voltar, tentar encontrar uma reta que leve a algum lugar seguro. E, nos últimos dez anos, todas as ruas sem saída nos colocaram de frente um pro outro. E eu não sei o que pensar.
Espero que essa pegadinha acabe bem. Espero que a gente perceba o que tiver pra perceber antes que seja tarde. Antes que a gente seja obrigado a abandonar esse labirinto chamado vida sem notar que esbarrou várias vezes no que procurava esse tempo todo. ♡

[Esse texto virou uma música e você pode ouvir aqui]

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Poem A Day – A menina Marina

Photo by Todd Diemer on Unsplash

Já era tarde e estava chovendo. Marina com seus olhos alagados, tinha o olhar perdido na direção da janela. Tinha vida escapando na sua expiração, tinha dor saindo pelos poros. E ela sentiu falta de ser uma criança e brincar na poça d’água quando chovia. Sentiu falta de brincar de rodar com a boca aberta e a língua de fora em dias de chuva, e não ver mal algum nisso porque não existia mal algum pra ver.
Fazia mais de três noites que o travesseiro não segurava o peso do seu descontentamento. Seus braços ao redor de seus joelhos apertados contra o peito. Sua boca seca de palavras que ela não conseguia verbalizar. Seus olhos molhados de lágrimas que não rolavam. Marina teve medo de nunca sentir direito e morrer afogada em sua tristeza.
Em nenhum outro momento da vida ela havia se sentido assim. E ela sempre teve medo de sentir, porque isso significava doer. E ela sempre escondeu suas lágrimas, porque acreditava que isso era fraqueza. E lembrou de seu avô dizendo “a menina Marina não chora”. Por um momento ela quis ser aquela garotinha orgulhosa outra vez. Mas percebeu que passou a vida se escondendo do inevitável.
Contemplou a si mesma no reflexo da janela. Percebeu que nada no mundo poderia prepará-la pra tamanha perda. Ela entendeu que não se escreve uma vida observando chover, mas se banhando em cada gota. Abrindo os braços, pisando na poça e pondo a língua de fora pra sentir o gosto da chuva.
Marina, o peso do mundo não tem peso pra te impedir de ser menina.
Vá brincar na chuva! ♡

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